É uma espécie de paradoxo: o conceito de sistema internacional, que parece ser tão óbvio e tão importante não tem sido usado na teoria de relações internacionais. É particularmente estranho que a teoria realista nos dê uma visão ampla da política internacional, mas que o realismo seja um pouco relutante em relação ao conceito de sistema, o qual implica uma ideia de ordem. Para os realistas, não há ordem na arena internacional já que ela é uma luta permamente entre gladiadores, é uma espécie de anarquia. E então, temos que esperar pelo grande momento da teoria do sistema para observar os primeiros usos do conceito de sistema internacional, isto é, por volta dos anos 60, 70, portanto, bem tarde. Meu objetivo é definir o que é um sistema internacional, o que também não é tão óbvio. Como defini-lo? E, depois, falarei sobre o que é multilateralismo, ou melhor, como o multilateralismo está moldando o sistema internacional. E então nós temos que considerar o famoso problema da polaridade. Estamos diante de um sistema unipolar, multipolar ou pós-bipolar? O que isso significa? O que é um sistema internacional? Eu diria que um sistema internacional é um estado da vida internacional, um momento, uma sequência da vida internacional. É feito para ajudar a descrever e a compreender os limites dos atores e suas relações. É, eu diria, um conjunto de práticas internacionais que podem ser identificadas em uma determinada sequência de tempo. Agora, o problema é definir os critérios do sistema internacional. Se o sistema internacional é um momento da vida internacional, como medir esse momento? Como descrever esse momento? Quais tipos de variáveis devem ser usados e mobilizados para descrever a ordem internacional? Eu selecionaria quatro critérios, quatro variáveis, que podem explicar a transformação do sistema internacional. O primeiro é o grau de inclusão. O sistema internacional inclui todos os potenciais atores? «Todos os potenciais atores» quer dizer, primeiro, todos os Estados, todos os Estados soberanos. E temos que levar em conta algo muito importante e até crucial para entender o sistema internacional: geralmente, não são todos os atores estatais que participam do sistema internacional. Se observarmos o sistema internacional europeu do século XIX, ele era limitado à Europa. Ele pretendia incluir todo o mundo e levar em consideração o que, por exemplo, acontecia na América Latina, entretanto, apenas os Estados europeus participavam dele. A China e o Império Otomano não eram admitidos como membros do sistema internacional, e com a doutrina Monroe, os EUA não aceitaram participar desse tipo de sistema internacional. E agora o problema é: e os países em desenvolvimento? Formalmente, é claro que eles são membros do sistema internacional, mas, algumas vezes, membros tardios. Se você considerar, por exemplo, o processo de descolonização, esse processo de descolonização ocorreu durante os anos 60, principalmente durante os anos 60, portanto, antes da década de 1960, a maior parte do mundo não estava participando ativamente no sistema internacional. Agora, outra questão é: e os atores não estatais? Ou melhor dizendo, o processo de inclusão do sistema internacional está abrangendo atores não estatais, que são cada vez mais ativos, cada vez mais relevantes dentro da arena internacional, mas que não participam realmente dela? A segunda variável poderia ser: e a deliberação? Um sistema internacional pode ser identificado pelo seu tipo de deliberação, isto é, pelo modo como está acontecendo a deliberação? Quais são as instituições, os procedimentos? E quais são os membros do sistema internacional que estão realmente participando, ativamente participando, das decisões? E aí temos de observar que, para a maior parte do sistema internacional, aqueles eram sistemas oligárquicos ou até diárquicos, portanto, temos que levar em conta a diferença entre Estados ativos, que são realmente participantes do processo de tomada de decisão, e Estados passivos. Por exemplo, agora, com o P5, os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, apenas cinco Estados soberanos são Estados realmente ativos na arena internacional, e os outros têm de segui-los. Se, agora, considerarmos os grupos G, isto é, o G7, G8 ou G20, todos os outros membros estão ausentes do processo decisório, e, então, podemos dizer que essa deliberação é de fato oligárquica, e, então, podemos classificar o sistema internacional de acordo com a participação real dos atores nas decisões. O terceiro critério poderia ser sobre as alianças que compõem o sistema internacional. Essas alianças são estruturadas ou não? Elas abarcam todos os Estados do mundo? Ou não, apenas uma pequena parte? Elas são duradouras como, por exemplo, a OTAN, criada em 1949 e que dura até hoje, ou elas são precárias? Essa é outra variável. E a última é, claro, o tipo de poder e dominação que é exercido dentro do sistema internacional. Há um poder hegemônico? Há um poder exercido conjuntamente entre países? Ou há um poder descentralizado dentro do sistema internacional? Se, agora, tentarmos classificar os sistemas internacionais, devemos estar atentos para não cair em três armadilhas. A primeira é a obsessão com a polarização considerando que todos os sistemas internacionais são polarizados, o que não é verdade. Polarização, como veremos, é uma exceção. E em relação aos sistemas internacionais não polarizados? A segunda armadilha é a ausência da dimensão social, isto é, o sistema internacional não é feito apenas de atores estatais, não é feito apenas de Estados soberanos, mas, cada vez mais, como vimos anteriormente, cada vez mais, de atores não estatais. O que são esses atores não estatais? Como classificá-los? E como considerar sua participação na vida internacional? E a terceira armadilha seria desconsiderar o fator temporal, isto é, o sistema internacional não é estável, um sistema internacional está se movendo, está se transformando, e essa transformação é provavelmente o cerne da análise internacional. Se, para finalizar essa conversa, eu considerar diferentes tipos de sistemas internacionais, eu diria que, por exemplo, começando com o Congresso de Viena em 1815, de 1815 a 1818, houve um tipo de gestão oligárquica conjunta, isto é, quatro vencedores das guerras contra Napoleão coadministravam o sistema internacional. De 1818 a 1871, ou seja, durante o processo de criação da Alemanha, eu diria que tivemos uma coalizão instável e conivente, uma coalizão frágil entre os maiores poderes europeus, mas sem uma real gestão de comando, uma espécie de competição limitada. De 1871 a 1914, ou seja, o início da Primeira Guerra Mundial, tínhamos um antagonismo conivente, em outras palavras, alianças estruturais, as quais iriam resultar na confrontação da Primeira Guerra Mundial. De 1918 até 1939, ou seja, período que abarca a Segunda Guerra Mundial, tínhamos um sistema internacional muito fluido, sem nenhuma estruturação e sem uma transformação muito rápida das coalizões e alianças. Agora, desde 1945 até 47, em um período muito breve logo após a guerra, havia uma espécie de gestão conjunta frágil, uma espécie de poder exercido conjuntamente entre a URSS e os EUA que eram os dois vencedores da Segunda Guerra Mundial, quer dizer, os dois principais vencedores da Segunda Guerra Mundial. De 1947 a 67, tivemos uma rígida bipolaridade. De 67 a 89, ou seja, até a queda do muro de Berlim, tivemos uma polarização diárquica. De 89 a 94 houve uma limitada unipolaridade em torno dos EUA que foi o real vencedor da Guerra Fria. E de 94 até hoje, temos uma espécie de apolaridade fragmentada, sem uma hegemonia clara, sem uma estruturação clara, e porque o sistema não é muito claro, ele é chamado de sistema pós-bipolar, sem decidir de forma exata sobre o conteúdo desse sistema internacional.