Saúdo a todos e todas participantes deste curso organizado pelo grupo de pesquisa, tempo, memória e pertencimento do Instituto de Estudos Avançados da USP. Nesta aula apresentarei alguns tópicos referentes aos 30 povos das missões e os dois principais protagonistas desta história, os guaranis e os jesuítas, com algumas características fundamentais, introdutórias, que querem servir, espero, como aperitivo de uma aventura que será aprofundada no decorrer do curso por grandes especialistas. A história das missões jesuíticas nos territórios guaranis deixou vestígios arquitetônicos, iconográficos e documentais de grande riqueza, que despertam o desejo de ampliar nossos conhecimentos. Inicio aqui com testemunho recolhido uma visita que fiz ao museu que se encontra no sítio arqueológico de São Nicolau, onde encontramos o sugestivo convite do professor Pedro Ignácio Schmitz, que revela seu juízo sobre o trabalho arqueológico realizado nas chamadas missões. Gostaria agora de colocar o slide e ler o texto do professor Pedro Inácio. E diz, "através do túnel do tempo, pela mão dos arqueólogo somos convidados a voltar àquela época. Com fantasia e sentimento podemos até fazer contato com os antigos homens, mulheres e crianças e entrar suas igrejas e casas, ver suas instalações, seus instrumentos, seus trabalhos, as obras artísticas, as ruínas". Este é o nosso convite também hoje, nesta aula. E geralmente, para quem mora no Brasil, a primeira experiência de chegada no território das missões acontece, geral, pela viagem a São Miguel Arcanjo das Missões. A gente pode ver agora esse slide, essa foto de São Miguel Arcanjo que foi criada 1632 originalmente, depois se reestruturou 1687 e que então na ocasião chegou a ter uma população de 7 mil índios. 1983 este sítio foi declarado patrimônio mundial pela UNESCO. São Miguel encontramos o famoso museu onde estão recolhidas as imagens sacras, estátuas de madeira policromada e peças de escultura que demonstra essa produção artística dos guaranis. Esta antiga missão de São Miguel guarda forte apelo para as comunidades Guarani Mbiá, que sobrevivem nas redondezas. Segundo o estudioso Valmir Pereira, as ruínas representam para os Mbiá eficaz referente prático-simbólico na incorporação mítico-histórico da experiência temporal reducional, poderoso símbolo da tradição e da ancestralidade indígena. Então, o viajante, entretanto, pode visitar São Miguel sem perceber a conexão deste sítio arqueológico com outros, com os outros sítios, mas quando ampliamos o horizonte percebemos que se trata não só dos chamados sete povos que atualmente estão nos territórios do Brasil, mas envolve uma realidade de 30 povos. Então esta história começa a ser muito mais interessante, porque toca uma realidade complexa que envolve múltiplos saberes. Durante os séculos XVII e XVIII, a Companhia de Jesus a serviço da coroa espanhola ao longo de 150 anos foram consolidados 30 povoados chamados de reduções terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas situados nos atuais Paraguai, Argentina, Uruguai e Brasil. Este território constituiu a chamada Província Jesuítica do Paraguai. As discussões que faremos aqui podem ser visualizadas na interação entre jesuítas e guaranis dentro do grande sistema colonial que envolve as coroas de Espanha e Portugal. Texto de dos grandes protagonistas desta história, o padre Antônio Ruiz de Montoya, que 1632, 31, acossado pelos bandeirantes paulistas, foi responsável pelo grande êxodo dos guaranis da província do Guairá. Ele relata nos seus escritos brevemente o que significam as reduções. Isso é o Padre Montoya quem diz, "chamamos reduções as populações dos índios, que vivendo seus antigos usos e costumes nos montes, nas serras, nos vales, três, quatro ou seis casas solitárias, separadas por duas ou três léguas umas das outras, foram reduzidos à diligência dos padres populações maiores e à vida política e humana". Interessante esta descrição, porque as reduções aqui aparecem como aldeamentos criados para facilitar o trabalho da evangelização dos povos nativos e apoiar de lado a conquista das áreas disputadas por Espanha e Portugal interligadas por caminhos, por diversos caminhos, formavam grande complexo, que incluía áreas de florestas, mas também estâncias de gado, ervais onde eram plantadas a erva-mate e outros vegetais já cultivados pelos guaranis. Desse modo, a ordem inaciana na América, mas também no mundo todo, irá seguir projeto de transformação das bases sociais, políticas, econômicas e simbólicas que se mostra no ideal desses aldeamentos, especialmente nas missões dos 30 povos visando promover a constituição de corpo social cristão na colônia. Nós vemos que o espaço missioneiro se constituiu assimilando a experiência dos padres jesuítas com diferentes formações e nacionalidades, com o conhecimento da natureza, costumes e o modo de ser guarani num processo que moldou características próprias. Estas palavras são do estudioso Paim, que diz que temos que olhar, conforme esse slide que estamos vendo aqui, o sistema colonial. O sistema colonial, Espanha, as duas coroas, Portugal, Espanha, a América, de lado os guaranis, de outro os jesuítas, numa interação. E nós podemos também visualizar nesse momento de novo o slide anterior que é sobre os 30 povos onde nós podemos ilustrar a indicação dessas reduções que estão preservadas e aquelas declaradas Patrimônio da Humanidade. Nós temos as indicações, temos os 16 povos da Argentina e aqui eu vou citar cada deles para que a gente possa ter esses nomes que formaram esse conjunto. Candelária, Conceição, Corpus, Itapuã, La Cruz, Mártires, Nossa Senhora de Loreto, São Carlos, Santo Inácio Miní, São Francisco Xavier, São José, Santa Maria Maior, Santana, Apóstolos, São Tomé, e Yapeyu. No Paraguai nós temos as sete missões com os nomes de Jesus, São Cosme e Damião, Santo Inácio Guazu, Santa Maria da Fé, Santa Rosa, Santiago, Trindade e no Brasil nós temos os outros sítios São Miguel Arcanjo, São Lourenço, São João Batista, São Nicolau, Santo Ângelo, São Borja e São Luiz Gonzaga. Essas três últimas hoje são as cidades onde foram construídas estas cidades que estão sobre estas ruínas. O espaço urbano da redução, como podemos visualizar no slide que mostra justamente a consolidação das missões, o espaço das missões, era composto por uma grande praça circular, ou retangular, ou quadrada por volta da qual estavam dispostas outras estruturas, como a casa dos índios, por exemplo. Devemos, portanto, nos deter nestas três principais características fundamentais que eu gostaria de sublinhar aqui. Essa interação entre os Jesuítas e guaranis. Primeira, missioneiros e guaranis conviveram estruturando o sistema reducional territórios de fronteiras maleáveis, como vimos. Estas fronteiras que hoje compõem os diversos países, mas que na ocasião constituiu único território envolvendo estas diversas nações. Dois. Tratava-se de uma rede de 30 povoados articulados por estradas, ligações fluviais, estâncias de gado, com lavouras e ervais. Terceiro. Essa estrutura urbana era muito semelhante entre si. Você caminhando pelos povos, por estas diferentes missões, você vê a semelhança na estrutura arquitetônica urbana destas cidades, mas que possuíam os seguintes elementos comuns, a praça maior, a igreja, o cabildo, a casa do cacique, o clausto, a escola, o cemitério, a casa dos órfãos, das viúvas e as casas dos índios. Enfim, os últimos elementos que gostaríamos de considerar aqui são nessa aula, como disse, os dois protagonistas desse processo e dar algumas notícias a respeito das características destes dois grupos. Primeiro lugar, os Jesuítas. Observemos as seguintes características, dados significativos que podemos aqui recordar os Jesuítas. É uma ordem religiosa fundada por Inácio de Loyola e por seus companheiros. Esse é o primeiro dado que aparece para a gente. Então pode pode seguir o slide com o primeiro dado. E fundada portanto por Santo Inácio. Depois a segunda característica era que a pregação era sua principal atividade. Dizia dos grandes, dos primeiros padres jesuítas Nada, ele dizia: "o mundo é a nossa casa", que representa esta frase, esta expressão, o horizonte do ministério dos Jesuítas, o mundo como a nossa casa. Terceira característica é que a regra principal era dos Jesuítas, muito praticada era de acomodar-se às circunstâncias de seus interlocutores e ambientes. E a quarta característica era que os Jesuítas se ofereciam diretamente ao Papa por meio de voto de obediência a servir qualquer parte do mundo. Então essa característica missionária e que junto com os processos marítimos de navegação e de conhecimento do mundo da época propiciou muitos encontros. E por fim, o objetivo destas missões era justamente destinada à conversão, que para ele significava a passagem para segundo nascimento pelo batismo, pela confissão sacramental e pela eucaristia. Os jesuítas visavam promover a constituição, como dissemos, de corpo social cristão na colônia. Estavam, portanto, a serviço também das coroas, onde todos os componentes sociais e raciais fossem inseridos e unidos por uma visão do mundo cristão. Buscaram realizar esse ideal seus aldeamentos e especialmente nos 30 povos. Segundo o estudioso Pain, nelas conjunto de práticas apresentavam desenvolvimento, uma tecnologia e uma vida artística diferente daquela estabelecida, assentada num território limítrofe entre espanhóis e portugueses. Por fim, gostaria de sublinhar também algumas características do segundo polo destes protagonistas com os quais vocês irão ter contato neste curso, que são os Guaranis. E aqui, inclusive, esta foto tirada numa das viagens a São Miguel Arcanjo com estes grupos de Guaranis que ali estão e vivem e trabalham. É muito interessante o valor que eles dão a questão da terra, a questão daquele lugar, daquele lugar sagrado, simbólico para eles ainda hoje. Mas as pesquisas antropológicas e etnográficas evidenciam que a identidade Guarani é ligada profundamente à relação com a terra. O Bartolomeu Meliá, este padre também Jesuíta, que viveu nas missões, sobretudo no Paraguai, ao descrever o significado da busca da terra sem mal que motiva as migrações guaranis, afirma que a terra constitui-se elemento essencial na construção do modo de ser guarani. As evidências arqueológicas corroboradas pelas notícias históricas mais antigas, mostram que a ocupação de determinadas terras como elemento constitutivo do modo de ser guarani. A terra, por sua vez, é dado fixo e imutável. Nada mais instável que a terra guarani, que nasce, vive e morre, por assim dizer, com os próprios guaranis. Então essa ligação com a terra é a primeira característica. Uma segunda característica importante já detectada também pelos próprios jesuítas quando chegavam, o padre jesuíta Antonio de Montoya concebia os guaranis como senhores da palavra. Então o valor da palavra é esta segunda característica que a gente sempre tem que levar conta quando nos defrontamos com estes povos. O padre Meliá também vai dizer que só a palavra boa e redimida poderá ajudar a transcender este mundo cheio de coisas imperfeitas, de coisas nefastas que acontecem. Então o valor da palavra como transformadora, como domínio para poder comunicar-se, mas também para poder nomear o mundo. E por fim, esta busca constante da terra sem males por parte dos guaranis. A terra, como nós dissemos, é antes de tudo espaço sociopolítico onde acontece as relações econômicas, sociais e a própria organização religiosa essencial para a vida do guarani. E então a terra é o lugar onde os guaranis podem viver segundo os próprios costumes, sejam seus e dos seus ancestrais. O mundo não é só formoso paraíso natural, mas lugar onde os homens nesta morada terrena poderão participar com moderação, consciência, com inspiração, daquele caminho de uma busca de algo ideal. E daí por isso a busca da terra sem males, de modo de ser bom se vive plenamente, por exemplo, no convívio comunitário, nas festas religiosas e na dedicação, na proteção da natureza. Dessa forma, com estes dois protagonistas, acredito, e com estas noções, respeito destes sete povos inseridos junto com os 30 povos, vocês todos que participarão deste curso poderão ter uma excelente noção, não só a respeito dos séculos XVI, XVII e XVIII da América Latina, mas poderão valorizar atualmente todo o conhecimento deste rico patrimônio, destes sítios arqueológicos, que revelam de lado conflitos, encontros, mas revelam a possibilidade do ser humano de se conectar com aquilo que é o patrimônio cultural, a herança que estes nos legaram. E o estudo deste capítulo da história nos ajuda a aprofundar os temas da atualidade, os temas que mais pertencem à essência da nossa vida humana. Agradeço a todos que acompanharam estes pequenos dados introdutórios e desejo bom curso a todos e a todas. [SEM_SOM]