Então vamos tratar agora da questão de como foi a relação entre o estabelecimento desses núcleos cristãos por parte dos Jesuítas no Paraguai e a questão da ofensiva, dos ataques por parte dos colonizadores de São Paulo, os chamados Bandeirantes. É importante frisar que após superar uma série de adversidades internas e internas, essas Reduções puderam prosperar. As adversidades internas foram principalmente a oposição por parte das lideranças religiosas os [INCOMPREENSÍVEL] que não viam com bons olhos a presença dos Jesuítas, porque viam neles competidor, pajé com outros poderes. Tanto é que para as missões puderem frutificar, essas Reduções avançarem, foi necessário contar com o apoio principalmente dos Cacique, dos líderes civis que, ao entrarem no espaço reducional, traziam também os seus subordinados os seus [INCOMPREENSÍVEL], os seus vassalos, o que permitia então aumentar ao nível populacional, demográfico, dessas Reduções. E externamente foram a própria questão da cobiça dos encomendeiros pela mão de obra para trabalhar na mitra gerbateira, ou principalmente nesse caso os ataques dos Bandeirantes que, lembre-se São Paulo dependia de arregimentar mão de obra indígena, de escravizar indígenas, primeiro escravizando os índios torno do planalto de Piratininga, depois escravizando as populações do litoral do Brasil, principalmente no que hoje é o Litoral de Santa Catarina, uma vez esgotado, devido a uma baixa demográfica das populações do litoral e das proximidades do Planalto de Piratininga, vão direcionar suas atenções exatamente para as áreas de colonização espanhola. Estou-me referindo aqui principalmente às áreas nas quais estava começando o processo de conversão como as áreas do Guairá e do Tape que faziam parte do que era a província do Paraguai, áreas que estavam então portanto sob o domínio de Espanha naquele momento. Então os Bandeirantes, ou se quiserem o termo mais adequado, os Mamelucos del Brasil, porque afinal de contas os Bandeirantes é termo que se constrói à posterior, ninguém chamava de Bandeirantes no século XVII, esses Paulistas vão montar uma série de expedições, que são na verdade empresas militares que vão sair terra adentro direção ao chamado Sertão para escravizar as populações que encontrassem pelo caminho. Cientes da informação de que havia populações aldeadas, arregimentadas pelos missionários da Companhia de Jesus, investe contra estas Reduções. Portanto as bandeiras de grande porte que a gente conhece foram organizadas, por exemplo, pelo próprio Raposo Tavares. O Raposo Tavares numa grande bandeira que se dirige à região do Guairá, o que seria hoje o Oeste do Paraná e parte do Mato Grosso, ele vai comandar uma grande expedição que vai estar presente além de Paulistas, também uma série de Tupis e também de outros mestiços, portanto essas bandeiras nunca foram construídas única e exclusivamente Paulistas e arrasam com o Guairá e no caminho também destrói alguns núcleos populacionais dentro da América espanhola como a Vila Rica. Portanto esses Bandeirantes vão disseminar o terror, essas bandeiras são provavelmente uma das expedições escravotracas mais predatórias da História moderna. Depois de destruído o Guairá, outras expedições também vão ser dirigidas para outra região, agora para a região do Tape, que corresponde ao Noroeste do atual estado do Rio Grande do Sul. Ao se dirigirem para essa região também vão procurar arregimentar mão de obra para escravizarem. Ocorre que antes mesmo da chegada destes ditos Bandeirantes, já existiam apresadores facilitando a preia de indígenas. Nós temos nesse processo de escravização de mão de obra, a participação de intermediários indígenas, sujeitos locais que estavam aderindo à lógica do colonialismo e estavam capturando outras populações para depois negociarem com os Espanhóis. Então nós temos essa figura dos intermediários, dos captores nativos, índios que escravizavam índios, para depois negociar. No caso do Paraguai colonial, na região das Reduções nós temos a presença desses intermediários, eles têm nome muito específico, são chamados de Mus, chamados de Mus porque eles estabelecem uma relação de amizade, parentesco com esses colonizadores e passam a fornecer esta mão de obra. E as próprias fontes, as crónicas, sobretudo as deixadas pelos Jesuítas nas suas cartas ânuas, nos comentam muitas vezes que por vezes os próprios Tupis ou índios sozinhos, sem os Portugueses, rumavam para este território e reúnem várias tropas de índios maloqueando, ou seja atacando e aprisionando esses indivíduos para serem portanto comercializados. Então a gente tem que ter certo cuidado porque esta imagem tradicional da historiografia dos Bandeirantes portando arcabuzes, de bois, entrando e dando tiro e matando todo o mundo, não era bem assim que funcionava, tem uma série de indivíduos que participam, de intermediários, há uma cadeia que permite abastecer estas relações. Então estas razias, que são esses ataques, tinham como objetivo escravização de mão de obra que seria utilizada na lavoura paulista. Ou seja a economia Paulista, que não era para a exportação, era para o mercado interno, o Sérgio Buarque fala que era a sociedade do milho porque produziam milho e esses indivíduos, esses indígenas escravizados, é que seriam essa mão de obra preferencial. Essa questão da escravização dos índios e as bandeiras como apresadoras de mão de obra vocês podem ver já no trabalho célebre do Professor John Monteiro chamado Negros da Terra, onde ele tem uma visão renovada do próprio escopo das bandeiras e principalmente nos trazendo a dimensão dessa escravização dos indígenas que é tema muito mal trabalhado, conhecido da historiografia. Portanto essa captura só foi possível porque houve uma série de intermediários, de agentes que colaboravam e é exatamente para tentar barrar essas investidas, porque poderiam ter inviabilizado a própria manutenção desse território, dessa possessão para Espanha devido à violência, à força desses ataques, o Jesuíta Antonio Ruiz de Montoya, que foi o primeiro superior das Reduções, vai diretamente à Corte madrilenha e se entrevista com o Filipe III e diz o seguinte "Ou vocês nos permitem armar, equipar, esses indígenas com armas de fogo ou Espanha perderá este território. Com isso foi feita uma concessão, uma flexibilização nas leis de índios, enfim no Código Indiano como tal, e permitiu que que uma população indígena recebesse armas. Obviamente sob fortes críticas, tanto dos colonizadores, quando dos encomendeiros, que temiam que os índios usassem essas armas contra os colonizadores, tinham na memória as rebeliões quinhentistas, mas essa população vai produzir armamento, vai produzir canhões com couro, pegar taquaras, revestir de couro botar lá pedras dentro e dar tiros. Portanto se forma uma espécie de milícia auxiliar, uma tropa auxiliar, alguns falaram exército Guarani, pouco exagerado, mas uma tropa comandada por esses Jesuítas que consegue frear essas investidas dos Bandeirantes. O grande evento, o grande acontecimento, é chamada Batalha de M'Bororé. M'Bororé é afluente do rio Uruguai, onde houve uma batalha fluvial aonde essa tropa auxiliar missionária consegue infligir uma derrota aos Paulista e com isso barra esses ataques às Reduções, pelo menos barra essas expedições de grande porte. Mesmo assim, continuaram ocorrendo outras investidas direção ao território, de grupos menores a fim de escravizar alguns indígenas que eram levados para São Paulo. Portanto nós vamos ver que a possibilidade de êxodo, de fortificar essas Reduções, tem a ver com eliminar os perigos internos e os externos, os externos que são exatamente o ataque por parte dos colonizadores, dos proprietários de São Paulo e com isso as Reduções entram num período de estabilidade ficando agora mais limitadas entre os rios Uruguai e o rio Paraná, o que a gente chama esta Mesopotâmia, sendo que meados século XVI até ao final do século XVII, vai ter torno de 22 Reduções, que vai congregar número expressivo, uma população bastante expressiva, inclusive sendo as Reduções mais bem povoadas do que as cidades coloniais. E eram apenas dois Jesuítas que coordenavam toda esta população, população que podia ir da ordem de dois a quatro ou cinco mil indivíduos. Portanto o êxito destas Reduções tem a ver com uma série de fatores mas ela tem principalmente como tripé de sustentação a realidade do Paraguai, que é uma área que não tem minerais, a pedagogia e [INCOMPREENSÍVEL] dos Jesuítas e principalmente a questão dos grupos Guaranis que aceitam que eram uma sociedade que era baseada no ritual e que vai portanto conjugar o ritual cristão com os seus próprios rituais e vai como eu disse usar a Redução como espaço para recriar a suas tradições e cria para eles a possibilidade de perpetuar o seu modo de ser, obviamente ajustado às demandas do colonialismo, no qual a língua foi preservada, esses indivíduos passam a produzir documentos, nós temos uma elite dentro dessas Reduções que vai desencadear uma série de atividades administrativas, culturais e religiosas. Portanto foi fundamental esse momento de eliminar perigo que eram os ataques que estavam ocorrendo nessas Reduções e com isso cria-se entre os Guaranis essa oportunidade de manter a guerra, mas a guerra para defesa de fronteiras. Nós estamos lidando com território que é uma fronteira entre os domínios coloniais espanhóis e portugueses, estamos numa América Meridional aonde são muito limitados, muito frágeis essa questão dos limites territoriais e essas Reduções estavam exatamente inseridas nesse espaço o que permitiu a elas recorrer ou ter a concessão da monarquia de possuir armamento, no caso armas de fogo, que depois eram recolhidas mas assim ficou sempre essa prática de uma mobilização e isso é uma das particularidades dessas Reduções.